Eu prefiro que minha vida vire um filme de Bergman

Domingo eu fui no restaurante e vi um casal sentado ao lado. Eles não conversavam, simplesmente encaravam os garçons com olhos perdidos, desejando desesperadamente que o prato chegasse logo para que eles pudessem encher a boca de comida e evitar aquele silêncio. Lembrei de quantos casais assim eu já vi. Tem gente que diz que a maior prova de intimidade que existe é você ficar calado ao lado de uma pessoa sem se sentir constrangido. Eu concordo, mas acho que não se aplica. O que eu acho é que, hoje em dia, todo mundo acaba topando qualquer um que aparece pelo frente, no desespero de não ter que ficar sozinho ou de agüentar a própria falta de conteúdo num domingo solitário. Então o fulano acaba encarando a fulana chata e desinteressante que usa a calça tão apertada que mal pode respirar, enquanto ele prefere calça folgada e sandália havaiana. Ou a beltrana que exibe heroicamente para as amigas o beltrano conquistado na balada, apesar de achar ele frio e machista. “Mas ele é advogado, tem futuro e minha mãe vai gostar”, diz ela. Aí essas pessoas com total falta de afinidade ficam sentadas nas mesas, brincando com o celular ou balançando o copo, tentando disfarçar o tédio. Eu sou contra. Prefiro que a história da minha vida vire um blues triste a topar qualquer um por aí. Prefiro que meus erros sirvam de base para um novo ditado popular chinês. Prefiro que minha procura eterna vire um seriado com aquelas risadas gravadas. Prefiro virar motivo de tristeza de bêbado. Prefiro virar poema pichado no muro. Prefiro que minha dor vire um filme de Bergman. Se puder, em duas fitas e em preto e branco.

por Maria Rita Angeiras

Leave reply

Tecnologia do Blogger.

Popular Posts

Followers

Quem sou eu

"Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto."
Back to Top